265/2019 MIDSOMMAR: O MAL NÃO ESPERA A NOITE

Depois de assistir duas vezes o já clássico Hereditário no cinema logo que estreou em 2018 e passar mal fisicamente ambas as vezes, eu esperava que o tão prometido segundo filme do cruel e ótimo diretor Ari Aster, Midsommar fosse me fazer mal de novo.

Ainda não sei se fiquei feliz ou triste por não ter passado mal.

Como Hereditário, fiz questão de assistir Midsommar na maior tela que encontrei, numa sessão vazia no meio da tarde, sozinho, sem distrações. Muito disso porque esperava ter reações estranhas ao que veria na tela.

O extremismo do filme de 2018 foi trocado pelo desespero, pela loucura.

Não que o desespero nem a loucura não existisse em Hereditário, ambos lá estão. Mas em Midsommar, a personagem da cada vez melhor Florence Pugh, Dani, começa o filme noiada e nos primeiros 5 minutos passa para um estado mental que eu nem ouso especificar, misturando perda, desespero, dúvida e abandono, só pra começar.

Sua nóia com o namoro ruim, com um namorado que não está mais tão na vontade como ela é exacerbada quando ela passa por um trauma extremo e faz com que ela se convide para uma viagem que ele, o namorado, vai fazer com amigos para um festival de verão na Suécia, como parte de seu mestrado em antropologia.

A viagem dos brothers, para pesquisa mas também para jogação em terras distantes, acaba sendo em termos tolhida pela presença dela, ainda mais no estado mental em que se encontra.

Só que eles não contavam com o nível do tal festival, no meio do nada sueco, comandado pela família de um dos amigos, que acontece desde o início dos tempos, fechado e secreto, com regras restritas e acontecimentos não muito “normais”.

Os suecos recebem os estrangeiros muito bem, lhes oferecem cama, conforto, comida, bebida e muita droga.

Em troca, claro, eles só querem que os estrangeiros se entreguem, nem que para isso eles tenham que radicalizar as experiências físicas.

E pior, as experiências mentais, mais até do que as físicas.

Um detalhe: Jack Reynor. O ator quase rouba o filme como Christian (cristão?), o namorado de Dani que se perde mais que ela na festa sueca. Ele não é o típico herói americano de filmes, ele é meio nerd loirinho, que se deixa levar muito pela admiração à cultura local e estranha (lembre-se que ele é um mestrando em antropologia). Ele se joga muito por essa admiração e mais ainda pela perda de controle que vai acontecendo durante o filme. Lindo demais.

Midsommar, nas mãos habilidosas de Ari Aster, faz com que a gente entre com todos os sentidos nessa viagem que tem cara de putaria mas com jeitão religioso extremo. Radical.

Vindo de quem vem, ficamos com os 2 pés atrás, esperando o inesperado, o susto, a desgraça, o que pra mim é a pior sensação possível, o aguardar, a constante supressão de respiração, de relaxamento.

A história do filme, de 4 amigos americanos durante 3 dias em uma festa religiosa radical sueca poderia descambar para o gore óbvio mas Midsommar está bem longe do óbvio.

Aster vai deixando seus personagens à beira de precipícios de insanidade e quando cada um deles (e a gente) menos espera, vem o pulo. De cabeça. Pelado. Sem rede de proteção.

Tem até quem pule de precipício: uma estoura a cabeça e o outro cai em pé, não morre e vai ter uma ajuda de uma marreta no crânio para realizar seu propósito.

O que poderia ser seu calcanhar de Aquiles acaba sendo a grande coisa de Midsommar: a direção de arte, a criação do universo do povo sueco é uma das coisas mais lindas que já vi no cinema. Um probleminha é que por vezes esse universo, essa ostentação visual, por assim dizer, acaba tomando o protagonismo do filme. Mas é um probleminha que se resolve em seu próprio roteiro: se não fosse por esse universo de anciãos, de bebidas miraculosas, de sexo ritualístico, de livro sagrado escrito através de rabiscos de um filho de uma relação incestuosa, se não fosse por tudo isso, Midsommar seria um quase filme bom.

Muitos dizem que Midsommar é a nova versão de O Homem de Palha. Eu discordo, acho que os filmes fazem parte de uma mesma linha de terror caipira religioso pagão.

O que os dois filmes tem em comum é a forma como a loucura do estrangeiro é facilmente manipulada pela sociedade hermética radical. E como isso os transforma não só em fantoches, mas também como acaba abrindo seus olhos para outra realidade. Mais que terror, Midsommar é um filme de absurdo.

E se for pra comparar com outro, compararia mesmo com Hereditário, em relação a grupo de pessoas ligadas por um certo tipo de religiosidade que acabam se aproveitando dos incautos.

Vemos que Aster, tanto em Midsommar como em Hereditário, está fazendo o mesmo filme, contado a mesma história em situações totalmente adversas.

Brincar com a loucura e com a lucidez é obra de mestre; não cair no óbvio de gente estrebuchando, espumando pela boca tem que ser bom de verdade.

Aster troca isso por uma natureza viva, que pulsa o tempo todo, troca por rostos nas árvores, por comida que está viva, por delírios alucinogenicos que me deixaram literalmente de boca aberta e com a cabeça explodindo ao fim da sessão.

NOTA: 🎬🎬🎬🎬🎬

P.S. – As 2 horas e meia de Midsommar podem parecer longas demais em princípio, mas na minha humilde opinião, eu veria mais uma horinha de filme facilmente, só pra ter o prazer de presenciar mais barbaridades acometidas pelos loiros fofos suecos.

Parece que a versão do diretor sai por esses dias na AppleTv+, não vejo a hora.

P.S.2: tô esperando uma versão online do filme para fazer uma galeria de .gifs do filme, porque esse merece.