220/2019 PARASITA

Eu duvido que em 2019 eu veja algum filme melhor que o sul coreano Parasita.

Se em 2018 meu filme preferido foi um japonês que contava uma história bem tocante de uma família toda desestruturada pela miséria que vive na periferia paupérrima de um Japão rico e com um potencial enorme, em 2019, até hoje dia 9 de agosto, meu filme preferido é um coreano que conta a história de uma família desestruturada pela miséria que vive na periferia paupérrima de uma Coréia rica com um potencial gigantesco.

Acredito que logo vai ter esse filme no Brasil, na Rússia, na Índia e por aí vão.

Como no japonês Assunto de Família, em Parasita pai, mãe, filho e filha se viram mais do que podem para suportarem à margem de um país cada vez mais rico e mais desigual.

Por isso mesmo os joguinhos de sobrevivência, os escambos, as safadezas são até aceitáveis em certos níveis. Se não fosse por isso, os 4 já teriam virado contingência, números, efeitos colaterais.

O filho arruma emprego de professor de inglês para uma adolescente de família bem rica.

Quando lá dentro do seio familiar que o deixa de queixo caído, ele percebe que o filho mais novo tem problemas de educação e diz para a mãe das crianças que ele tem uma amiga que trabalha com arte educação depois de ter feito cursos no mundo inteiro, o que faz com que a mãe já queira a amiga.

Na verdade, a menina é sua irmã, outra perdida que faz uma pequena pesquisa na internet sobre psicologia e com o discurso certo, é contratada imediatamente.

Ela então percebe que pode conseguir arrumar emprego para seu pai de motorista da família e arma para que o atual seja despedido, de uma forma bem duvidosa, obviamente.

Com o pai contratado, falta colocar a mãe na mamata e eles conseguem que a empregada da casa saia.

Até aí o filme vai nos jogando na cara o quanto vale para não se passar fome, para tentar viver com algum tipo de dignidade, mesmo que o mínimo que esses 4 talvez ainda tivessem de dignidade tenha ido esgoto abaixo para que um consiga colocar o outro trabalhando e ganhando o mínimo de dinheiro possível.

Sim, o Parasita do título são a família de ex desempregados, só que agora trabalhando e ganhando seu dinheiro com a tal da dignidade que voltou.

Parasita é o terceiro filme do cada vez melhor diretor coreano Bong Joon-Ho que saiu do Festival de Cannes de 2019 com a Palma de Ouro em mãos, mais do que merecido prêmio.

Joon-Ho é o cara que fez a obra prima do terror O Hospedeiro, depois fez a porrada SnowPiercer e em 2017 chocou Cannes com o lindo e punk Okja, o filme do porco gigante que todo mundo amou e que a Tilda queria matar.

Assistindo Parasita vi que a cada filme que faz, Jooh-Ho deixa mais claro a que veio. Sua crítica social é cada vez mais forte, mais presente e mais potente.

Vários elementos de Parasita já foram vistos em SnowPiercer, com a divisão de classes óbvia pelo trem (pobres no fundo, ricos na frente) sendo que aqui os pobres moram sempre abaixo da linha do aceitável (a família desempregada em um apartamento abaixo da linha da rua, a outra fam´ˆlia no porão sem janela e sem comida, mal sobrevivendo) sendo que os ricos moram na casa mais linda do cinema de 2019.

A crueldade e a frieza da Okja é vista em Parasita com o casal de coreanos ricos, mais sutis, mais finos, mas não menos escrotos, apesar do verniz politicamente correto.

O que Jooh-Ho mostra em Parasita é que o pobre acaba sendo o parasita do rico por não ter jeito mesmo. O parasita é o que vive grudado se alimentando do “mais forte”. No filme, os pobres se alimentam do mais rico especialmente por não terem opção, não terem oportunidade. Mas também porque percebem que o rico presta tão pouca atenção ao que acontece à sua volta que nem percebe que existem vários parasitas chupando seu precioso sanguinho.

Como todo bom filme coreano, o humor intrínseco é real e desta vez, me incomodou de uma forma inesperada.

Eu ainda não sei o que estava esperando do filme, se um terror, uma comédia pastelão ou um drama de chorar.

Parasita não é nada disso.

Se Buñuel e Pasolini tivessem tido um filho cineasta, Parasita seria sem dúvida uma obra sua.

O filme beira o surrealista com toda a crítica social. Aliás, quanto mais o filme critica, mais ele sai da realidade e vai para o mundo dos sonhos, do surreal, porque como está acontecendo conosco hoje em dia na vida real, Parasita mostra que a realidade está cada vez mais difícil de ser engolida.

Pensou no grego Yorgos Lanthimos? Pensou certo.

Tudo em Parasita que seria “ah não, só em filme mesmo” é o nosso normal em 2019. Felizmente eu tenho visto cada mais esse tipo de filme, baseado na realidade para criar seu universo por vezes inacreditável.

Parasita é mais um filme que vai te deixar com todas as pulgas atrás da orelha, vai te fazer pensar o que é moral, o que é ética, o quanto vale para você não morrer de fome, para você sair do pior nível possível de perda de humanidade e conseguir ter um pouco de dignidade para encarar esses dias péssimos que estamos vivendo.

NOTA: 🎬🎬🎬🎬🎬